Quatro mulheres negras. Camareira, recepcionista, desempregada e cozinheira. Assim são as protagonistas da nova série da Rede Globo, "Sexo e As Negas", de Miguel Falabella, que estreou na terça-feira, 16, sob denúncias de racismo, sexismo e propostas de boicote nas redes sociais.
A reportagem convidou mulheres intelectuais, ativistas e artistas negras , a capital mais negra do mundo, fora do continente africano para assistirem à estreia e fazer comentários sobre a representação da mulher negra.
Vilma Reis, coordenadora da rede de combate ao racismo e intolerância religiosa da Secretaria de Políticas de Igualdade Racial - Sepromi, responde com sua análise sobre a série. "Não é possível que em pleno século 21 em 2014, a única forma que a Globo tenha de representação das mulheres negras seja a partir da nossa sexualidade. É como a se a nossa vida toda estivesse girando em torno disso, mas não é verdade. Isso é um equívoco", diz.
A série é inspirada no seriado "Sex and the City", mas as mulheres na produção norte-americana têm um cotidiano em que a sexualidade é parte e não o centro da trama, afirma Vilma.
Um argumento em defesa de "Sexo e As Negas" é o grande número de atores negros empregados na série, mas Fernanda Júlia, diretora de teatro do Nata (Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas), rebate. "Para mim, artista negra é alguém que luta pela modificação da ação do negro no espaço midiático, esse argumento é equivocado. De que adianta essa quantidade de atores negros se eles estão em cena reproduzindo e reforçando tudo aquilo que nós estamos tentando combater?", questiona.
A diretora ainda chama atenção para a fotografia e angulação da câmera: "A sensação que se tem é de que nós negras somos desejáveis". E questiona: "Nós mulheres estamos cansadas de ser a piada, a bunda interessante da televisão ou a cozinheira de mão cheia de um casal de brancos; quando é que muda isso? "Quando é que a minha história, como realmente é, vai aparecer num espaço midiático?".
Segundo Fernanda, a afirmatividade da questão racial vem do ponto de vista de colocar em cena algo que represente essas vitórias que o povo negro vem galgando nesses séculos de resistência e isto não está presente em "Sexo e as Negas'.
Para a pesquisadora, compositora e cantora Juliana Ribeiro, pesquisadora, cantora e compositora, a questão do racismo social é algo sutil. "É até muito bacana ter quatro mulheres negras protagonizando uma série na Globo, mas não há a sensibilidade de perceber que essa mulher, para além de negra, é um ser humano. Dentro de mim também tem um pouco daquelas mulheres, mas no meu dia a dia eu não sou daquele jeito", conta Juliana. "E isso a gente não quer mais.A mulher não tem que ter um papel social. Quem escolhe esse lugar sou eu", diz.
Carla Akotirene, assistente social da Secretaria Municipal de Saúde e mestra em Estudos sobre Gênero e Mulheres pela Ufba, diz que aquelas mulheres negras de comunidade existem, do contrário, seria preconceituoso. "Mas a mídia não pode só visibilizar esse tipo de mulher, como se tivéssemos um destino comum, para a o trabalho doméstico, a sexualidade etc. Afinal, existem outras possibilidades de existência da mulher negra em outros espaços", completa.
Para Aline Silva, uma das editora da página do Facebook Boicote Nacional ao programa Sexo e as Negas da Rede Globo, com mais de 28 mil seguidores, a TV tem responsabilidade de formação de opinião e um papel educativo. "Será que o outro lado não existe?", questiona Aline.
O fato é que estas mulheres intelectuais, artistas e convidadas a opinar simplesmente não se sentem representadas em Sexo e as Negas. Como afirma a advogada carioca Ludimila Cruz: no vídeo publicado no Facebook "Quero outras referências. Eu quero outro tipo de mulher negra sendo retratada na televisão".